Águas passadas,cheias de lágrimas – Boletim nº22 – Dezembro 2008

“Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha, porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Mas não vai sozinha e nem nos deixa sós. Isso porque leva um pouco de nós e nos deixa um pouco de si. Há os que levam muito e deixam pouco. Há os que levam pouco e deixam muito. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que não nos encontramos por acaso”. (Charles Chaplin)

 Essa frase me veio à mente depois que, às 8 horas do último dia 24 de novembro, recebi um telefonema com a desagradável notícia: minha irmã Luíza acabara de morrer soterrada como vítima das enchentes no Vale do Itajaí, mais especificamente na cidadezinha de Benedito Novo, onde eu e meus 14 irmãos nascemos.

 Por ironia do destino, eu acabara de concluir o meu artigo mensal que dispararia para o “Clube dos Desaposentados”, abordando justamente o espírito de fraternidade e a solidariedade que envolve as pessoas nessa época do ano. Naquele dia eu também começaria os preparativos para as celebrações do “Dia de Ação de Graças” e as festividades alusivas ao Natal e Ano-Novo, quando tradicionalmente reúno amigos íntimos e a família para brindar a vida. Depois daquele fatídico telefonema senti um forte aperto no peito, uma angústia talvez similar àquela vivida pelos flagelados da tragédia, cujas imagens, até então, eu e milhões de brasileiros assistíamos pela TV no aconchego e segurança do lar.

Tudo devidamente cancelado, eu já estava na estrada – se é que esse termo é o adequado, em vista das tantas barreiras e desvios no caminho – rumo ao local. No tortuoso trajeto, meus pensamentos estavam tomados pela perplexidade, tristeza, angústia e apreensão. Eu sussurrava: mas porque isso foi acontecer justamente com minha irmã querida? Afinal, pensei, ela morava numa casa toda de concreto e cuja localização, conforme a própria Defesa Civil do Estado, não constava como área de risco maior. Ao chegar a Benedito Novo, fiquei boquiaberto com aquele cenário devastador e apocalíptico.

No auge de seus 46 anos, Luíza houvera sido sugada por uma avalanche de barro e árvores provenientes do alto do morro que cercava a sua casa. Conforme relato do meu cunhado, após ver água entrando pelas frestas das portas, ele pegou a capa de chuva e tentou se deslocar para o cume do morro, que fica a uns mil metros daquilo que há poucos dias fora uma casa. A intenção era ver o que estava acontecendo. Segundo ele, no meio do caminho ouviu estrondos e enxergou uma enorme massa de terra vindo em sua direção. Ao que gritou para minha irmã e sua sogra – que infelizmente também morreu. Elas imediatamente buscaram refúgio nas suas próprias casas, que seriam engolidas por aquela onda barrenta de destruição. Ele próprio só escapou porque se agarrou a uma árvore que, milagrosamente, permaneceu presa às raízes. Na operação rescaldo, Luíza foi encontrada debaixo da geladeira. Trata-se de uma mulher que, conforme a frase de Chaplin, levou pouco e deixou muito. 

 Depois de ajudar os familiares nas providências que se seguiram ao ocorrido, lembrei-me de que na quinta-feira, dia 27 de novembro, estaria comemorando o Dia de Ação de Graças ao lado de meus queridos. Paradoxalmente e ainda tomado pela emoção, no velório da querida e saudosa irmã eu me perguntava sobre o que, afinal, agradecer? Tais lamentações e lamúrias não eram típicas de um homem religioso como eu. Aos poucos, porém, os maus pensamentos deram lugar à serenidade e ao equilíbrio, o que me permitiu chegar a algumas conclusões. Uma delas: quão pequenos e inoperantes somos diante da vastidão do universo e dos mistérios da vida. Também concluí que em situações catastróficas como a vivida por nós catarinenses, de nada valem o dinheiro, os bens materiais e a posição social. Casos como esses nos mostram que somos todos iguais, independentemente de nossa crença, raça, cor ou gênero.        

 Outras indagações: Por que o homem, em pleno século 21 e munido da mais alta tecnologia em todos os campos de atividades, com seus superpoderosos  satélites e radares, não conseguiu prever esse fenômeno natural que praticamente devastou o Vale do Itajaí? Este mesmo homem, que já desvendou o genoma humano, também não previu a crise financeira nos EUA e que se alastra pelo mundo, de conseqüências inimagináveis.

 A meu ver o Brasil deveria estar melhor preparado para enfrentar calamidades naturais, com medidas preventivas como a conscientização da população das zonas de risco sobre como agir em determinadas situações, a disponibilização prévia da infra-estrura necessária para prestar atendimento imediato aos atingidos, o que envolve logística e até simulações, como fazem os japoneses, por exemplo, para os eventuais casos de terremotos.     

 Essas constatações me fazem concordar com o teólogo Leonardo Boff, para quem “o homem está destruindo as florestas, bens, riquezas minerais, poluindo ambientes e rios, mananciais (…) a caminhos rápidos, de modo a tornar nosso planeta inabitável”. De acordo com Boff, “a humanidade se encontra diante de uma situação inaudita: deve decidir se quer continuar a viver ou se escolhe sua própria autodestruição”.

  Aqui outra questão: os acontecimentos que levaram a vida da minha irmã e outras dezenas de pessoas teriam relação com o aquecimento global? Com a palavra o Senhor…homem.

 Não posso deixar de destacar o espírito de solidariedade do povo brasileiro, que se mobilizou para prestar apoio às vítimas das enchentes em Santa Catarina. Isso prova que o Brasil tem jeito, ao contrário do que os pessimistas de plantão vivem alardeando por aí. Espírito solidário que pude constatar nas imensas mensagens que recebi nesses dias.

 Portanto, conclamo a todos que lêem este artigo que  mantenham esse nobre   espírito de solidariedade até aqui demonstrado. Vamos  aproveitar o clima de Natal que já está no ar para agradecer a Deus pelo dom da vida, além de refletir sobre a importância da convivência fraterna  com a família, os amigos e todas aquelas pessoas que nos cercam no dia-a-dia, mostrando, por meio de palavras e não só de presentes, o quanto as amamos.

 O Natal e as festas de fim-de-ano vão ser certamente difíceis para aquela parcela da população de Santa Catarina, que viu tudo literalmente ir rio abaixo. Mas tenho a certeza de que com sua força, garra e determinação, a população vai se reerguer o retomar a normalidade da vida. No meu caso, o Natal de 2008 não será o mesmo. Como Benedito Novo também jamais  vai ser a mesma, por mais que esteja ensolarada. Mas fica a certeza de que a vida continua. O que aconteceu, como se costuma dizer, “aguas passadas”…cheias de lágrimas.

Graças a Deus pela vida! E pela oportunidade de ter convivido com uma pessoa da índole e do caráter da minha irmã Luíza! Que Deus a tenha.

 Que Deus o (a) proteja junto com seus familiares.

Um fraternal abraço e até o próximo artigo

Armelino Girardi

Deixe uma resposta

Comentários Recentes