Que cara é essa? Boletim nº 23 – Dezembro 2008
Que cara é essa, Pai? Desce daí! Por onde andaste? E que cravos são esses pela fronte? Pensei que Te bastavam rosas, as preferidas da Tua mãe! Cravos e rosas não se dão, vêm brigando desde a mais remota infância, não Te lembras das cirandas pelos quintais? Vem, afasta de Ti este cálice (Ah! Se eu boto as mãos nesses malditos fariseus!) e entorna um bom vinho da terra. Antes, toma Teu banho e Te recompõe. Há uma túnica e sandálias novas para Ti. Prepara-Te para o Teu aniversário e vem sentar-Te à minha mesa. Vamos festejar com pão e vinho, tal como costumavas. Não estranhes se eu Te oferecer também uma boa mortadela. De primeira! Sinal dos tempos, Pai, vais gostar. Chega de peixe que ninguém é de ferro e os rios andam poluídos! Desfaz essa cara de sisudo, todo mundo já sabe que és do bem! Mostra Teu riso franco e farto, eu nem me lembro mais como é. Vem morar aqui comigo. Pra Te pôr mais à vontade, vou deixar de usar a segunda pessoa (afinal, sempre foste a primeira!). Vou parar também de usar essas maiúsculas bobas, elas não refletem nem de longe o meu carinho e o meu respeito. Além disso, dá mais trabalho pra digitar… Já não se usam papiros, Pai! Nem se fazem escritores como antigamente!
Quero que me ensine tudo de novo, andam botando muita palavra em sua boca. Acho que tá na hora de repetir aquela passagem intempestiva e tempestuosa, com a corda, lá no templo, lembra? Deixe que eu lhe ensine, agora, coisas de que a vida o privou. Vou mostrar canções que fizeram pra você e pra seus pais. Podemos cantar juntos, Pai. Que tal uma serenata pelas ruas? Você poderia declamar sua Bem-aventurança e eu cantaria ao violão algo como “Creio em Ti”. Já pensou? Antes, sirvo-lhe seu vinho preferido e, se não se importar, fico com a minha geladinha…
Você já ouviu falar de um tal Papai Noel? É tão ou mais conhecido e festejado que você, sabia? Quando estavam escrevendo sua história, Pai, ele entrou ali sorrateiro e subornou as palavras e as páginas com presentes bonitos para que não o delatassem. Todo ano, nessa época, foge do céu para festejá-lo. Tem mania de grandeza e gosta de chegar por cima. Por isso sempre aparece se limpando das fuligens das chaminés, com seu riso generoso e retumbante: “ho, ho, ho”. É a alegria da criançada.
Pai, Pai! Por onde você andou todo esse tempo? Senti tanta falta… um não sei quê de morte e de cruz… Preparei um cantinho especial para a sua chegada. A mesa está posta! E chega de milagres, Pai! Só me basta a sua presença. Você também não gostou quando o deixaram só: “Por que me abandonaste?”, perguntou, lembra-se? Temos muito a conversar! Queria que me contasse sobre sua infância, sobre a marcenaria e sobre como é ter um pai velho e uma mãe de doze anos. Depois vamos entender direitinho algumas passagens como aquela de voltar a outra face. Parábolas e metáforas, Pai, embora eternas, são para sábios como você, mas às vezes difíceis para gente simples como nós. Tem quem ainda acredite que veio de uma costela. Foi você quem disse isso? Já pensou se lhes tivessem dito que o mundo era uma galinha e que eclodimos dos seus ovos? Seria engraçado ver gente cacarejando… Em português… inglês… aramaico… Ah! Perdão pela falta de modos e de respeito, Pai! Mas é tão bom vê-lo, enfim, rindo assim, tão fartamente. No entanto, a hora agora é de chorar. Quero chorar toda a água que houver para lavar tanta tristeza acumulada na sua ausência e fazer limpinha a alegria imensa da sua volta à velha casa e ao coração. Fica comigo, Pai! Na casa não posso prendê-lo, mesmo porque você insiste naquela brincadeira de mau gosto de atravessar paredes. Mas as paredes do coração nem você pode atravessar! Porque o coração não tem paredes. Nem limites, nem fronteiras. É tão imenso que, esteja onde estiver, há de estar sempre dentro dele.
Nesta data querida, que vamos festejar juntos, agora e sempre e todos os dias, de mãos dadas pela vida e para a vida, os meus parabéns pra você, meu Pai!
José Carlos Duarte Pereira
Pesquisador, escritor e compositor pelo Portal Via Láctea
www.vialactea.fm – jcdpereira@uol.com.br