Luz ao final do tunel, digo da bolsa – Boletim nº 51- Novembro 2010
Ela se lamentava, reclamava e continuava apalpando, procurando, tentando encontrar o celular que não parava de tocar. Minha amiga remexia em sua bolsa com a avidez de quem quer chegar a um resultado concreto, mas estabanada, perdia-se entre os tantos objetos que habitam uma bolsa de mulher.
Enfim, esgotado o tempo de chamada, cessou a busca, não sem certo desânimo e evidente decepção. Ela estava deveras irritada com a situação, perdera uma ligação. E se fosse importante? E se a filha estivesse precisando dela? Ficara de dar um retorno ao médico; seria ele? Que atenção da parte dele e ela ali naquela dificuldade! Paciência, agora não adianta mais, é só localizar o número da chamada insistente e retornar.
Sua bolsa seguia os ditames da moda da época com exagero: era grande, muito grande, mal se alcançava o fundo. Era um desses modelos que de portátil só tinha o nome, pois quase exigia um mergulho cego em seu interior para pegar alguma coisa. Imensa, maior que as bolsas de valores de Frankfurt, Chicago e Hong Kong juntas, dava para viajar naquela bolsa.
Enquanto procurava o telefone, pressionada pelo moderno estardalhaço da sua campainha (que teria acordado Graham Bell), minha amiga se penitenciava na penumbra convidativa ao bate-papo daquele bar carioca, regado a chope:
– Nunca mais vou comprar bolsa grande. Nunca mais vou comprar bolsa preta. Nunca mais vou comprar bolsa molenga. Nunca mais vou comprar bolsa com forro escuro… só se tiver luz dentro.
Nós, brasileiros, também nos deparamos com uma “bolsa grande” e de difícil entendimento em nosso país. Dela, nesse período de exacerbação de campanha eleitoral, todos os candidatos à presidência se arvoram a donos da ideia, reivindicando sua paternidade. Avante de qualquer ação municipal, coube ao Governo Lula implementar o Programa Bolsa Família, em nível nacional, desde 2003.
Hoje, o Bolsa Família é o programa mais cobiçado, desdenhado e criticado do Brasil. Veio aprimorar e integrar programas anteriores, como o Fome Zero, o Bolsa Escola, o Auxílio Gás, dos quais deriva. Ampliou a sua ação estabelecendo um cadastro e administração centralizados no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
O Programa Bolsa Família é um mecanismo condicional de transferência de recursos com o objetivo de ajudar financeiramente famílias pobres e extremamente pobres, cuja renda per capita oscile até R$ 140,00, cobrindo, inclusive, as que ganham menos de R$ 70,00 por mês. A contrapartida imposta é a de que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos e/ou dependentes na escola e vacinados.
Programas contra a pobreza são políticas sociais para combater e reduzir a pobreza que passa de geração a geração em várias partes do mundo. Há programas similares de transferência condicionada em Bangladesh, Turquia, Camboja, México, na cidade de Nova York, em muitos países da América Latina e os africanos têm interesse em sua aplicação.
O Programa Bolsa Família angariou o reconhecimento de instituições internacionais pelos benefícios que trouxe à população carente, sendo recomendado pela Organização das Nações Unidas a ser adotado por países em desenvolvimento. Com apoio financeiro do Banco Mundial, o programa tem-se destacado na imprensa de circulação internacional, como a britânica The Economist e o jornal francês Le Monde.
Como uma política pública de cunho social tem apresentado resultados positivos mensuráveis (consumo de alimentos, qualidade da dieta e crescimento das crianças) e enfrenta críticas, construtivas e destrutivas, quanto ao seu desempenho efetivo, fiscalização e monitoramento institucional, seu uso político e possibilidades de criar dependência em milhões de brasileiros, amortecendo a vontade de trabalhar. Há muito por corrigir, mas a própria dinâmica da sociedade faz ajustes em uma cultura que muda ao longo do tempo.
Cabem muitas discussões sobre o assunto e me sinto estimulada a levantar apenas uma, compatível com o posicionamento em termos de humanidade, no mínimo, para não dizer cristão. São graves os problemas de toda ordem em nosso país, alguns estruturais como a desigualdade social alarmante, a corrupção, a criminalidade, a marginalização, e, sem dúvida, a insegurança social que atinge a todos. Mas há que se reconhecer ser um imenso avanço retirar 23 milhões de pessoas da linha de pobreza em pouco mais de 6 anos. Desdobramentos virão, certamente, pois miséria se combate com ações afirmativas. Então, parodiando minha amiga da bolsa preta: estamos enxergando luz dentro da bolsa.
Silvia Maria de Araújo
Socióloga, Professora Sênior da UFPR
NOTA: No próximo dia 25/11, 4ª quinta feira de novembro, comemoramos o “Dia Universal de Ação de Graças”. Você já programou algum evento para celebrar junto com seus familiares e/ou amigos? Mais informações sobre tal prática leia no boletim nº 43 de novembro 2009.