Um pedacinho de vida perdido no tempo – Boletim nº 89 – Junho 2012
Ao relembrar os fatos marcantes de minha vida, em uma das vivências do curso de PPA- Programa de Preparação para a Aposentadoria-, cenas perpassadas na infância surgiram com uma nitidez impressionante. Entrevi a companheira sentada ao meu lado e ela escondia as lágrimas e, assim, nessa forte emoção, foram rascunhadas as linhas abaixo…
Era uma vez uma linda menina nascida em Trás-os-Montes (1) , Portugal.
Feliz e acarinhada pelo pai e mãe que a amavam muito, tinha a graça de possuir por perto uma figura especial: a avó, aquele ser iluminado sempre presente.
Com o pai no Brasil há alguns meses, de repente tudo mudou e se viu embarcada com a mãe e o irmão em um navio, rumo ao Brasil.
E ao anoitecer, depois acomodados, no salão de refeições, com as compridas mesas postas para o jantar, a embarcação começou a afastar-se da plataforma e a balançar.
Com expressões de espanto e alegria, sentia-se no ar a emoção e expectativa daqueles jovens migrantes!
– Serão onze dias de inferno, alertara sua avó chorosa na despedida.
Mas foram onze dias de festa, apesar das saudades dos parentes que ficaram! Havia música e comida muito diferente e pela primeira vez a menina provava sorvete de chocolate. E que sabor era aquele do queijo “polenguinho” (2)?
E no dia do desembarque… Nossa! O dia do desembarque…
Como hábito, preparava-se um traje especial para a data. Com o vestidinho de roda, de mangas fofas, cor de rosa, aprontou-se para rever o pai. Deixando a terra natal em pleno inverno, chegava ao RJ na manhã do ensolarado 14 de janeiro, exatamente na comemoração do seu aniversário de seis anos.
E a maioria dos patrícios, vindos da terrinha de Vilar de Maçada, lá estavam a espera, junto àquela multidão no cais. O pai de tão ansioso postou-se bem ao pé da escada e a mãe aflita, com filho pequeno ao colo, não conseguia vê-lo de cima, os viajantes com os pertences sobre cabeça dificultavam o acesso ao gradil do convés.
E a vida continuou, sempre boa aluna, obediente e feliz.
Porém, na adolescência, tudo mudou… O mundo ficou cinzento e a bela menina se isolou. Sentia-se diferente. Por quê?
O ingresso na Universidade não corrigiu isso, mas prosseguia aplicada. Devido a uma educação rígida, via-se sempre afastada do burburinho do mundo. Talvez ela própria tenha desejado isso…
E, de repente, a roda da vida fez o mundo girar novamente: A florida Curitiba apareceu e ela se apaixonou.
Nossa! Apaixonou-se… Mas isso fica para uma outra estória.
Quantas conquistas e também quantas desilusões! Tudo foi válido e importante.
E agora, passados 27 anos, com a aposentadoria que se avizinha e a perspectiva de múltiplos horizontes, que os ventos levem a linda menina para novas paragens, novos mares, novas realizações e quem sabe novos amores.
Mª Henriqueta C. Correia.
e-mail: mariahenriquetacorreia1@gmail.com
1- Trás-os-Montes, região de Portugal a nordeste do País. Com povoado escasso mantém-se praticamente congelado no tempo.
2- Queijo processado embalado individualmente
Um belo artigo a vida é simples e bonita
Maria e Cláudio
Grato pelo contato, concordo com vocês. O depoimento da MHenriqueta que surgiu durante um curso é uma prova de que é na simplicidade que está a beleza da vida.
Armelino,
histórias como essas batem com uma ideia antiga que passei para uma pessoa que queria trabalhar como editor: biografias reunidas de pessoas comuns têm grande valor e ajudam a compreender a própria vida, mexem com emoções, criam identificação, fazem as vezes de espelho. Quem disse que apenas biografias de famosos são válidas?
Abs,
Silvia
Silvia
Grato pelo contato. Você está certa. Cada pessoa tem sua história de vida, sua biografia que pode ser transformada numa bela obra, basta querer.
Armelino: emocionante a história que tu contaste acima. A roda do tempo da gente vai girando… os dias, meses e os anos, passando. Com Deus no leme, agora aposentados, eu e minha esposa lemos tuas mensagens no ‘Clube dos Desaposentados”, onde encontramos reminiscências e momentos atuais de nossa vida, tal como tu contaste na historinha de Trás-os-Montes. Obrigado por nos enviar o “Clube dos Desaposentados”! – Abraços – Bertolino.
Caro Bertolino
Grato pelo contato e que bom que os artigos estão contribuindo para suas reflexões. Aproveite para divulgar o Clube dos Desaposentados que tem por objetivo aglutinar pessoas que rimam aposentadoria com filosofia, sabedoria, poesia e alegria.